quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Criança ou mocinha?

Quando acorda envergonhada com a cama toda molhada:
 -Filha, você já é uma mocinha, mocinhas não fazem xixi na cama!
Quando abre a bolsa da mãe escondida e se lambuza toda com o batom:
 -Filha, maquiagem não é coisa de criança, quando você for mocinha poderá usar.
 Na hora de tomar aquele remédio horrível:
 -Sem cara feia, pode engolir que você já é uma mocinha!
 Quando implora para poder sentar no banco da frente no carro:
 -Você ainda é criança não pode sentar no banco da frente.
Com certeza aquela menina já ouviu todas essas frases, ela estava encantada com todos os vestidos da loja que tinham pelo menos duas vezes o seu comprimento. E apesar dos seus olhinhos puxados e escuros, eu nunca vi olhos tão arregalados. Parecia que nada podia acabar com a felicidade dela enquanto ela estivesse ali, nada desgrudava seus olhos dos vestidos, que para mim já não tinham a menor graça perto da felicidade da menina, ela estava radiante como uma criança que passou o ano todo sem fazer mal criação e finalmente conseguiu ganhar seu presente de Natal. Mas agora é como se alguém arrancasse o brinquedo de suas mãos, a mãe da menina apareceu segurando um vestido e puxou a filha pelo braço dizendo:
-Filha, eu peguei um vestidinho de criança pra você, esses são de mocinha.
A menina estendeu o outro braço na direção dos vestidos de “mocinha” e disse:
 - Mas mamãe, eu sou mocinha! Você disse que eu sou mocinha mamãe!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eu gosto de chuva


Era uma tarde fria e nublada de inverno. Há quase um mês não caía uma gotinha de chuva na cidade, todos olhavam para o céu nublado com suas gargantas secas, esperando ansiosamente pela chuva.
 Entre todos aqueles olhares ansiosos e felizes eu podia ver um par de olhinhos escuros e quase sem brilho, a sua volta três garotas também não tão alegres tentavam reanima-los.
- Não, você não está entendendo o exercício! – Gritava a menina com o cabelo em chamas – Se você gosta de lápis de cor, grite para o mundo!
- Eu gosto de lápis de cor... – Murmurou sem muita vontade o menino.
- Quanto mais baixo você falar que gosta de algo, mais essa coisa vai sumindo da sua vida. – Tentou ajudar a menina encostada na parede.
- Se você gosta tanto, não precisa ter medo de gritar, assim essa coisa aparece mais na sua vida – Completou a outra menina que não parava quieta de tão apertada que estava para ir ao banheiro.
- Ta bom, eu gosto de lápis de cor e materiais escolares! – Gritou finalmente o menino – Eu gosto de sorvete! Eu gosto da minha barriguinha!
As amigas também entraram no “exercício”:
- Eu gosto de ônibus laranja!
- Eu gosto de praia!
- Eu gosto de dançar!
- Eu gosto de batata frita!
- Eu gosto de atravessar a rua no farol aberto! – Gritaram enquanto atravessavam a rua correndo.
-Eu gosto de cantar ópera!
Agora sim, lá no fundo, bem no fundo eu podia ver algum brilho naqueles olhinhos escuros. Mas aquela tarde não podia acabar assim, não estavam todos satisfeitos. Alguns pingos de chuva começaram a cair do céu, e finalmente algum grito agradou todas aquelas pessoas incomodadas com a gritaria:
- Eu gosto de chuva, eu amo chuva!
(Tema: unidade)

domingo, 26 de agosto de 2012

A transformação de um artista

Você provavelmente já viu algum artista de rua nas ruas de São Paulo, malabaristas, dançarinos, estátuas vivas, músicos, atores, palhaços e etc. Quando olhamos para algum deles não conseguimos imagina-los como seres humanos comuns, parece que aquela fantasia faz parte de seu corpo e que sem ela eles não são ninguém. Engano nosso.
Na última quinta feira vi um homem rechonchudo no centro de São Paulo  falando no celular e passando um talco no rosto, só depois de alguns minutos vi uma fantasia de anjo e duas grandes asas brancas jogadas no chão atrás dele. Eu não conseguia acreditar que aquele homem podia se transformar em um anjo, era uma pessoa comum, de camiseta e calça jeans, falando ao celular, como ele poderia se transformar, ou ao menos se parecer com uma criatura tão pura como um anjo?
Duvidei tanto que resolvi ver com os meus próprios olhos. Acompanhei cada segundo de sua transformação, depois de passar o talco branco no rosto vestiu a fantasia branca por cima de sua roupa mesmo, as asas já eram presas a fantasia, depois calçou os sapatos, brancos também, subiu em um degrau para as pessoas poderem vê-lo melhor e por último vestiu as luvas brancas e deixou um potinho na frente do degrau para as pessoas deixarem trocados.
Depois que ele acabou a transformação eu mal conseguia me lembrar da cena que tinha visto há alguns minutos, não podia ser a mesma pessoa, aquele mesmo homem que estava falando ao celular há alguns minutos agora estava em sua pose angelical e se movimentava docemente apenas quando alguém colocava uma moeda no potinho a sua frente.